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domingo, 20 de março de 2011

O CONTO DO DISCO VOADOR-CASIMIRO DE ABREU-RJ



● Se alguém me contasse hoje a estória sobre a anunciada aterrissagem de um disco-voador procedente de Júpiter, em Casimiro de Abreu, com certeza diria que meu interlocutor deveria ser internado rapidamente. Mas o repórter - até por dever profissional - foi testemunha ocular (e de corpo presente) dessa trapaça, que teve repercussão internacional e reuniu, nos arredores de uma propriedade rural sombria, supostos Phds em objetos voadores, ufólogos sérios, outros nem tanto, além de curiosos, tipos esquizofrênicos, batedores de carteiras, gente exótica com pinta de cientista maluco, vendedores ambulantes e uma multidão de espectadores que se espremeram no meio da vegetação rala, numa vigília “cósmica” de dar inveja a qualquer diretor de cinema de Hollywood. Esse teatro de operações foi encenado, sem pudor ou constrangimento, aqui na Baixada Litorânea, RJ, berço de Casimiro de Abreu, o poeta da saudade, que soube enaltecer “sua infância querida (sem discos-voadores), que os anos não trazem mais”.

● Esse esdrúxulo espetáculo entrou em cartaz no dia 8 de março de 1980, há 29 anos, após exaustiva propaganda feita pelo “vidente” e ufólogo-de-meia-tijela, Edílcio Barbosa. Esse sujeito merecia ser homenageado. Mesmo depois de morto, o que aliás viria ocorrer após o show patético de Casimiro. Barbosa teve as pernas amputadas e, em seguida, falecera. Seus discípulos terrestres ensaiaram boatos de que o “porta-voz” de Júpiter teria sido vítima da maldição de sua ousadia. Pura idiotice com crendice em busca de holofotes. Barbosa, na verdade, teria sido “resgatado” pelo diabetes e complicações afins. Nada do além, a não ser a própria morte. Mas – justiça seja feita – esse sujeito conseguiu atrair a opinião pública para a sua festa “rave” ao estilo cósmico. Só não teve música eletrônica. Mais de 10 mil pessoas invadiram a fazenda, área serrana de Casimiro, com promessa de assistir a aterrissagem de uma nave de Júpiter. O pouso seria às 5h40min daquela manhã de 1980. “Eles, os Ets, são britânicos” ,disse um assessor de Barbosa.

● Compacta, silenciosa, ansiosa e de olhos grudados no firmamento, ou na linha do horizonte, a multidão parecia disciplinada ao romper a madrugada sob o ataque de insetos e disputando o melhor lugar, naquele vale, para assistir a chegada do disco-voador, segundo a “profecia” de Barbosa. Ele garantiu que a nave de Júpiter devolveria, vivos, três militares da Marinha que sumiram a bordo de um helicóptero da Base Aeronaval de São Pedro, acidentado em alto mar há alguns anos da “pajelança” em Casimiro de Abreu. Familiares dos tripulantes da aeronave militar passaram a acreditar na “visão” do ufólogo-de-araque, e o assunto (até então tratado com reservas pela imprensa) acabou nos grandes jornais e nos principais telejornais. Foi o que o promoter da festa cósmica precisava para criar um ambiente de pouso oficial.

● Numa área plana da fazenda sob a vista da multidão, improvisou-se uma espécie de Disco porto, num descampado em forma de triângulo, cuja referência era uma árvore. Alguém avisava num megafone: ”atenção: é proibida a presença de humanos nessa área demarcada, do contrário a nave não vai descer”. Foi quando se percebeu o início dos protestos da galera. A mensagem do locutor do megafone gerou a primeira desconfiança do público. A gritaria de ambulantes – inclusive os bem-sucedidos vendedores de papel higiênico - se mistura a um burburinho na platéia. Aproxima-se a hora da aterrissagem da nave de Júpiter e, no meio da multidão, exausta e sonolenta, um sujeito com roupas exóticas e empunhando um binóculo grita: “Olha a horaaaa!” Foi o tom que faltava para um coral de milhares de curiosos repetir a cobrança.

● O momento era de tensão no Disco porto de Casimiro. Autoridades deixaram de lado a evidência e o constrangimento de serem também protagonistas e se posicionaram para a iminência de um tumulto. Ao invés do disco-voador de Júpiter trazendo os tripulantes do helicóptero da Base Naval, no momento previsto da aterrissagem dos Ets, quem sobrevoou a região tomada pela multidão, foi um pássaro, provavelmente assustado com a ocupação indevida de seu habitat. O pássaro recebeu calorosos aplausos. A galera já estava a ponto de linchar o autor da farsa sideral quando um ruído diferente emudeceu os espectadores. O silêncio só foi quebrado, quando se confirmou que o ruído intermitente não era de extraterrestes. Mas vinha da maria-fumaça, que agora apontava no horizonte, serpenteando em meio a vegetação e fazendo soar o velho apito naquele vale de ópera bufa.

● A locomotiva ainda cortava as terras em torno da fazenda quando o ufólogo Barbosa começava a ser xingado e ameaçado pela multidão. Ele quis justificar o fiasco dizendo “que tinha gente no local de pouso atrapalhando a chegada da nave de Júpiter”. A declaração mentirosa e cínica, era o que faltava para massa enfurecida tentar pegar o impostor para lhe dar um corretivo. Mas a polícia de plantão no local, inclusive com cobertura de efetivo da Marinha, evitou o massacre, retirando Barbosa às pressas da fazenda, onde até equipamentos de telefonia foram instalados na área do Disco porto. Como um conjunto de orelhões a poucos metros da “pista de pouso”.


● Eu conversava outro dia com Berto Filho e, sorrindo muito, ele lembrou que no exato dia da anunciada chegada da nave de Júpiter na fazenda de Casimiro de Abreu, a “notícia” foi lida por ele, no Jornal Nacional, com natural incerteza diante do surrealismo. E, é claro, o próprio telespectador terá percebido o nível da notícia e a forma de interpretação que lhe fora dada pelo locutor. Mas, apesar da utopia cósmica, Barbosa conseguiu montar um exótico circo: além de forçar a participação de autoridades, num episódio movido por lendas e fábulas, Barbosa levou milhares de pessoas de vários Estados ao local do show e entupiu a BR 101 com um engarrafamento monstruoso entre Macaé e Rio Bonito.

● Não move ao repórter qualquer intenção de achincalhar as pessoas honestas que se dedicam aos estudos científicos em torno dos chamados Objetos Voadores Não Identificados (ÓVNIS). Mas, por enquanto, nada me convence sobre a veracidade de incursões de discos-voadores sobre as nossas cabeças. Apesar dos estudos à respeito e de relatórios produzidos por governos, o único capítulo que me parece exigir uma explicação transparente é o que envolve a cidade mineira de Arachá, sob risco dessa crendice lunática comprometer o núcleo de inteligência da Unicamp, que teria sido acionado para analisar cientificamente supostos bonecos esquizofrênicos. Essas criaturas exóticas teriam assustado algumas mocinhas e até ferido um guarda.

● Reafirmando meu respeito aos ufólogos de verdade, devo lembrar que, no meu tempo de garoto, sempre que se abordava discussão à respeito de Ets,a gente logo ouvia dizer que disco-voador era uma criativa invenção de soviéticos e americanos para assustar os países subdesenvolvidos. Como pode ser também uma bela engenhoca para pesquisa metereológica, o que se constata na maioria das aparições de objetos luminosos sobre nossas cabeças. Gostaria até de abrir discussão aqui na coluna sobre essa estória esdrúxula de ÓVNIS. Um velho amigo é expert em produzir imagens fotográficas que se confundem completamente com o que seriam discos-voadores. Não é necessária muita coisa: um prato comum, uma lanterna e uma câmara fotográfica são os ingredientes chaves para se produzir uma imagem capaz tirar o sono dos cientistas da Nasa.

● Mas voltando a Casimiro de Abreu, não são poucos os que dizem que a região tem algo que atrai extraterrestes. Isso tudo não passa de uma boa tradição lendária e fabulosa que passa de pai para filho sem que até hoje uma só prova concreta tenha confirmado esses delírios cósmicos. O dia em que o ser humano documentar extraterrestes e seus veículos luminosos, o colunista reconhecerá a teimosia dos caçadores dessas (divulgadas) criaturas cabeçudas e horrendas. Fica o desafio (extensivo a todo o planeta Terra). O dia que disco-voador deixar de ser lenda, ilusão de ótica ou avançado disfarce militar e científico, serei o primeiro a rasgar a Bíblia Sagrada. Pelo menos até agora nada contido na Bíblia foi contestado. Mas as previsões das Escrituras são comprovadas a cada segundo. Só se engana quem quer.

● Em Casimiro de Abreu, o estudante Wanderson Chan, ocupa o site oficial da Prefeitura para divulgar o curta-metragem que produziu com base na estória sobre a chegada (que não se deu) de discos-voadores nos arredores da cidade. Intitulado “Casimiro de Abreu, a Invasão”, o filme do rapaz já participou do último Festival de Curta de Cabo Frio.É uma obra de ficção com elenco de 5 pessoas, que esteve ainda na Mostra de Cinema de Londrina. O desembarque de extraterrestes que não houve, também virou livro na terra do poeta da saudade, autor do clássico “As Primaveras”.

Levi de Moura
levi.de.moura@bol.com.br