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terça-feira, 2 de novembro de 2010

DE PROFUNDIS



Ninguém foi tão profundo falando de sí mesmo- Oscar Wilde

Não sou do tipo que gosta de fazer apologia a movimentos tidos como "politicamente incorretos", nem de ir contra todos simplesmente pelo fato de querer ser diferente. Muito pelo contrário, quase sempre concordo com o que é "sensato"e com a "razão". Mas... o que é sensatez? Como definir a razão?

Em 1905, Robert Ross publicou uma série de relatos em forma epistolar de um grande amigo e escritor do século XIX, Oscar Wilde. Os relatos em questão são conhecidos pelo nome De Profundis. O livro é, em resumo, a defesa que foi negada a Wilde durante o julgamento que deu início ao fim de sua vida, uma defesa que ninguém se interessou por ouvir já que todos concordavam que Wilde havia "ferido a moral" da sociedade conservadora inglesa da época. Cada uma de suas partes corresponde às cartas que Wilde escrevia para o seu grande amor, na tentativa de fazê-lo entender como ele (o grande amor) havia destruído sua vida e nem olhado para trás a fim de pedir-lhe desculpas.

A história de vida de Wilde já é fascinante por si só. Escritor de peças assistidas por inúmeras figuras importantes da época, e sempre aclamado ao final das apresentações, este escritor irlandês (nascido em Dublin) altamente irônico e perspicaz praticamente abandonou tudo que havia conseguido graças a sua arte para se unir a um jovem mesquinho, egoísta e extremamente fútil, Sir Alfred Douglas.

Após lançar A Importância de Ser Prudente (The Importance of Being Earnest), peça extremamente hilária, e seu maior sucesso sem sombra de dúvidas, a vida de Wilde parecia ter chegado ao auge. Mas uma armadilha do destino levou-o a conhecer Sir Alfred Douglas, jovem de futuro promissor que passava por algumas dificuldades na universidade, e que foi apresentado a Wilde exatamente por isso, uma vez que viam no escritor um grande exemplo para jovens estudiosos. Wilde já havia descoberto sua homossexualidade e conseqüente atração por pupilos, mas tudo não havia passado de distrações até Bosie (como Sir Alfred era conhecido) aparecer em sua vida. Devotando a este jovem todo seu amor, paixão, dinheiro e, até mesmo, a própria arte, Wilde gradualmente deu início ao seu fim, até a morte. Uma vez que o homossexualismo era severamente condenado em sua época, Wilde foi mandado para a prisão em nome do amor, amor por seu "Bosie". Após um infeliz julgamento, iniciado pelo pai de Bosie, Wilde viu-se totalmente cercado de inimigos e falsos moralistas que o acusavam de ter "ferido a moral" ao manter relações íntimas com outro homem, não se importando com o tamanho dos danos que assim causavam à sua vida e à de sua família. Esta é a história real de De Profundis, um dos melhores auto-retratos já escritos por um poeta que, mais do que ninguém, conheceu o verdadeiro significado da palavra "amor".

Durante os dois anos que passou na prisão, Wilde escreveu todos os altos e baixos de sua conturbada "amizade" (como gostava de se referir) com Sir Alfred. Parecido com um diário, De Profundis é o coração e a alma de Oscar Wilde em suas versões mais explícitas e sinceras. E o que mais chama a atenção nesta singular narrativa é o fato de ele nunca ter feito sequer uma revisão na obra. Isso porque, na prisão, apenas duas folhas de papel lhe eram entregues por dia e, mesmo assim, retiradas ao final da tarde, para serem entregues de volta somente na data de sua libertação. Significa dizer que a versão que podemos contemplar hoje, em pleno ano 2002, e quase 100 anos após a primeira edição, é exatamente a mesma que Robert Ross publicou em 1905!

Oscar Wilde foi um exemplo de homem que seguiu seus impulsos e suportou as conseqüências até o fim. Sim, até o fim, pois mesmo depois de liberto, já totalmente esquecido e ignorado por seu grande amor, Wilde procurou Bosie para se decepcionar pela última vez. E morrer doente e sozinho, a não ser por seu fiel amigo Robert Ross.

De Profundis não é apenas a história de Oscar Wilde contada por quem a sofreu na pele; é a história de um grande homem que sofreu por amar, que quebrou as regras para viver o que acreditava ser o certo, seguir sua razão. De Profundis é a prova de que podemos chegar a este nível de amadurecimento. Porque razão é ver sentido no que se faz. E só o amor pode fazer coisas absurdas fazerem sentido.


Por Giselle Fleury






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