Dona Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon nasceu no Rio de Janeiro, em 29 de julho de 1846 e faleceu em Eu, na França, em 14 de novembro de 1921. Foi Princesa Imperial e regente do Império do Brasil por três ocasiões, na qualidade de herdeira de seu pai, o Imperador D. Pedro II e da Imperatriz Dona Teresa Cristina. Foi a primeira Chefe de Estado das Américas e uma das nove mulheres a governar uma nação durante o século XIX. Cognominada Redentora, por ter abolido a escravidão no Brasil, ao assinar a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, foi também a primeira senadora do Brasil, cargo a que tinha direito como herdeira do trono e segundo a Constituição do Império do Brasil de 1824.
A Lei Áurea extinguiu a escravidão no Brasil em decorrência das fortes pressões internas e externas, provocadas por políticas republicanas que acusavam a monarquia por ainda manter a escravatura. Os escravos continuavam a fugir e o exército deixara de assumir o papel de capitão-do-mato. O trabalho escravo tornara-se economicamente indesejável, frente à concorrência da mão-de-obra imigrante, esta menos dispendiosa e mais qualificada. A palavra Áurea vem do latim Aurum., cujo significado é "feito de ouro", "resplandecente", "iluminado. É utilizada para expressar o grau de magnitude das ações humanas. Há quem acredite, no entanto, que a Lei Áurea recebeu tal designação por ter sido promulgada no dia 13 de maio, data do falecimento de Dom João VI, bisavô da Princesa, e não, como muitos dizem outros, por ter sido assinada com belíssima pena de ouro, contendo 27 diamantes e 25 rubis.
O exílio da Família Real
Extinta a monarquia em 15 de novembro de 1889, o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório Republicano, expediu, no dia seguinte, a comunicando a deposição da dinastia imperial e a extinção do sistema monárquico representativo. Nesse mesmo dia, o ex-imperador D. Pedro II recebeu ordem para que a família imperial deixasse imediatamente o Brasil. Assim escreveu a Princesa Isabel em Memória para meus filhos: “no dia 16 às duas horas da tarde chegou a Comissão do Governo Provisório com uma mensagem a Papai exigindo sua retirada para fora do país”. A princesa Isabel relata que os filhos chegaram de Petrópolis, onde estavam, etc (...) “A idéia de deixar os amigos, o país, tanta coisa que amo, e que me lembra mil felicidades, fez-me romper em soluços. Nem por um momento desejei uma menor felicidade para minha pátria, mas o golpe foi duro”.
Atemorizada pelos acontecimentos, partiu a Família Real, ignorando o futuro que os esperava. Ainda no porto, um oficial se dirigiu à Princesa, dizendo- lhe: “Vossa Alteza compreende que esta transformação era necessária”, ao que ela lhe responde: “pensava que se daria, mas por outro modo; a nação iria elegendo cada vez maior número de deputados republicanos e então, tendo a maioria, nos retiraríamos”.
Na madrugada do dia 17 de novembro de 1889 teve início o embarque da família imperial no navio Parnaíba e transferência para o navio Alagoas, acompanhado pelo navio Riachuelo, enquanto estivessem em águas brasileiras. Diz Raul Pompéia, “culpa, tristeza e mesmo certa vergonha. Em vez da luz forte do sol, temos o escuro da noite, em lugar da recepção calorosa, a partida solitária, sob olhares escondidos. Assim seguiram para Portugal aqueles que, a partir de 1808, transformaram uma colônia adolescente numa poderosa Nação, evitando a fragmentação do território conquistado, tal como ocorreu no oeste do continente. Sem a Família Bragança o Brasil teria se transformado num conjunto de países muito menos poderosos.
Omissões históricas, preconceitos e discriminações
Não se pode afirmar que o Brasil tenha sido o último país a erradicar a escravatura, a não ser que se considere apenas as Américas no século XIX. Em entrevista publicada no Caderno Idéias do Jornal do Brasil, em 2001, o canadense Paul Lovejoy, professor da Universidade de York, pesquisador e autor do Atlas Histórico da Escravidão, comenta que a Nigéria, de onde vieram muitos cativos para o Brasil, libertou os escravos nos anos 30 do século XX. Outros países, como a Arábia Saudita e a Mauritânia, eliminaram a escravidão por volta de 1960. De acordo com o depoimento de Paulo Verger, famoso fotógrafo e escritor francês (Fundação Paulo Verger), os negros africanos atacavam povos no interior da África, marcando com ferro incandescente as iniciais do comprador nos prisioneiros. Tal como os europeus, eram traficantes riquíssimos , negociavam o preço dos escravos e trabalhavam em navios tumbeiros. Os mais ricos fazendeiros utilizavam escravos em suas propriedades africanas.
No livro de Alberto da Costa e Silva (in Um rio chamado Atlântico, Editora Nova Fronteira ) , ex- presidente da Academia Brasileira de Letras e embaixador na Nigéria, o maior africanólogo em língua portuguesa, revela peculiaridades e fatos históricos de uma África que ainda não conhecemos. Segundo ele, os escravos africanos pertenciam aos reis e aos grandes do Daomé, reino africano situado na África Ocidental, e o tipo de trabalho pouco diferia do americano em dureza e crueldade. Na sua visão, o oceano Atlântico foi, durante os séculos da escravatura e nos primeiros anos que se seguiram à abolição, um rio largo e comprido que tinha como margens o Brasil e a África ocidental. O autor sustenta que a cultura africana é um dos alicerces da cultura brasileira, porém o modo de vida do outro lado do Atlântico também foi influenciado pelo Brasil. Há portanto necessidade de conhecer de forma documentada, as duas margens desse grande rio.
Por ser injusta e pouco democrática a distância social entre o Brasil negro e o Brasil branco, é natural que o imaginário do povo sobre a escravidão contenha distorções ideológicas, tornando-se necessário interpretar, com metodologia séria, a origem dos preconceitos e das discriminações existentes em nosso meio, para então introduzir os resultados obtidos nos livros didáticos que freqüentemente os omitem.
Em matéria publicada especialmente para a Folha de São Paulo, os jornalistas Leandro Naloch e Nei Lopes analisam os enredos maniqueístas dos temas das escolas de samba que desfilam no carnaval, observando que neles os afrodescendentes são sempre caracterizados como heróis libertadores, sendo todos os outros seus opressores. Exalta-se menos, ou raramente, o papel do negro na formação do povo brasileiro e na miscigenação, sem mencionar que as mulheres negras compartilharam da intimidade dos grandes proprietários das fazendas, em cujas casas moravam e até tinham filhos com eles.
Os dois Brasis
É enorme a distância entre o Brasil moderno dos brancos e o Brasil arcaico dos negros. Nas palavras de Norberto Bobbio, “ao lado de um estado de poder visível, há sempre um estado de poder invisível que passa despercebido”. Cento e vinte anos depois da abolição da escravatura quais são as condições sócio-econômicas da comunidade negra no Brasil ? No momento em que tanto se fala das políticas públicas e dos sistemas de cotas no Brasil, basta entrar na sala das grandes universidades brasileiras, públicas ou privadas, para observar o grave problema ainda não resolvido pela república brasileira. Como dizia Joaquim Nabuco, "acabar com a escravidão não basta; é preciso abolir a miséria".
Estudo realizado na Universidade de Brasília mostra que os professores brancos representam 99 % do quadro das universidades públicas brasileira, num país em que os afrodescendente representam 47% da população brasileira..Muito embora haja visíveis avanços no controle de preconceitos e discriminações de raça, particularmente após a Constituição de 1988, os ideais dos direitos humanos e da cidadania estão longe de ser alcançados. O banco de dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que utiliza o cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH/PNUD) , assim como dados provenientes da Fundação João Pinheiro, permitem comparar as condições sociais dos negros entre países e no Brasil. O IDH dos brasileiros negros coloca-se na 107ª posição em 175 nações, equivalendo a El Salvador e China, ao passo que os brancos brasileiros apresentam encontram-se na 46ª posição nesse mesmo conjunto de nações !
Nas estatísticas apresentadas pela Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios - PNAD 2001, o rendimento médio familiar, per capitã, dos negros de todo o Brasil, foi de 1,15 salários mínimos, ao passo que o mesmo índice entre os brancos foi de 2,64 salários mínimos. A taxa bruta de escolaridade entre os negros brasileiros foi de 84% e a dos brancos de 89%. A taxa de alfabetização das pessoas maiores de 15 anos também apresentou variação positiva para o contingente branco (92,3%) - mais de 10 pontos percentuais superior ao ocorrido entre os negros, cujo índice de alfabetização foi de 81,8%. Lamentavelmente, no que tange ao indicador da esperança de vida ao nascer para o período 1990-1995,, a esperança de vida ao nascer foi de 70 anos para os brancos e de 64 anos para os negros.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2001, apenas 15,8% dos negros puderam concluir curso de graduação, enquanto entre brancos esse índice atingiu 53,6%. No período entre 1992 e 2001, o número de crianças e adolescentes negros no mercado de trabalho foi duas vezes maior do que o de brancos, impedindo, obviamente, ascensão social pela educação. Agrava-se a condição dos brasileiros negros por ser insignificante o acesso a cargos com poder de decisão. Nas eleições de 1999 apenas 15 parlamentares negros foram eleitos entre as 513 cadeiras da Câmara do Brasil (2,8%).
Racismo como tema global
O conceito de direitos humanos tem sido apoiado por convenções, tratados e ratificações. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral da ONU e assinada pelo Brasil na mesma data, ainda sob o impacto das atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial, comprometeu-se a promover os direitos humanos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.Esse documento foi traduzido em 360 idiomas. Como tema global, publicou-se a famosa “Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial”, assinada pelo Brasil em 1966 e ratificada em 1968, com decreto assinado em 1969. Nela se expressam as liberdades fundamentais para todos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião.
Um dos principais objetivos da Convenção é criar um povo unido, sem classificar os Brasileiros em função das raças ou das raças resultantes. Como aqui se sugere, é preciso estudar mais profundamente não apenas o que aconteceu no glorioso dia 13 de maio de 1888, mas também no dia 15 de novembro de 1889, no início da república. Talvez possamos nos aproximar cada vez mais dos ideais da cidadania expressa na Constituição de 1988 e, ao garantir a igualdade dos direitos humanos para todas etnias, contribuir para tornar ainda maior esta notável Nação.
Como consta na história documentada, creio ter sido essa a intenção do ato da Princesa Isabel, o que se comprova pela famosa frase “prefiro perder o reino do que não libertar os escravos”. Foi essa também a terna admiração expressa pelo Imperador, que se encontrava fora do Brasil, ao enviar-lhe um telegrama, onde se lia “Abraço à Redentora”.
Bibliografia
Barman, Roderick J., trad. de Luiz Antônio Oliveira Araújo, : Princesa Isabel do Brasil - Gênero e poder no século XIX.
Carvalho, José Jorge, Inclusão étnica e racial no Brasil – a questão das cotas no ensino superior.
Cerqueira , Bruno da Silva Antunes de (org.), D. Isabel I a Redentora, Rio de Janeiro, 2006
Daunt, Ricardo Gumleton, Devaneios de uma época imperial, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo,1970.
Schwarcz, Lilia Moritz, As barbas do Imperador : Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.
Racismo no Brasil: percepções da discriminação e do preconceito racial no século XXI / organizadoras Gevenilda Santos e Maria Palmira da Silva – São Paulo. Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.8:38
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*Nelly Martins Ferreira Candeias é Presidente do Instituto Históricop e Geográfico de São Paulo.
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